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Somos todos vocacionados

por Alexandre Pinheiro Tenorio

anovocacional.cnbb.org.br

Na última celebração litúrgica de Cristo Rei, iniciamos o terceiro ano vocacional na Igreja do Brasil com o Tema “Vocação: graça e missão”. Será um tempo propício para refletir, aprofundar e compartilhar na nossa vida eclesial o tema da Vocação, não somente como uma ideia ou um conceito, mas sobretudo enquanto prática da vida cristã.

Um dos objetivos deste ano vocacional é que em todos os grupos eclesiais, não importando se são grandes ou pequenos, se estão nas cidades ou nas áreas rurais, se são estruturados ou ainda em formação, os ambientes favoreçam uma “cultura vocacional”, ou seja, que as nossas comunidades sejam espaços de discernimento, prática e vivência cristãs para um despertar do chamado do Senhor, que nos precede.

Cabe lembrar que ser vocacionado não é um título que nos confere algum privilégio ou distinção. A vocação é sobretudo Graça de Deus. Um dom gratuito e universal, destinado a todos e todas a partir do nosso Batismo. Ao mesmo tempo que a vocação tem essa dimensão universal, ela também tem um chamamento pessoal, pois Deus atua na nossa individualidade, já que cada um de nós tem uma história, uma vivência cultural, está inserido num contexto social, familiar e eclesial. Vocação, portanto, tem caráter universal e pessoal, sem que essas dimensões sejam antagônicas, mas sim complementares, como duas faces da mesma moeda.

Cabe ainda ressaltar que todos nós vocacionados somos instados a colocar em prática nossa missão recebida no Batismo, estando a serviço do Reino de Deus, anunciado e vivido por Jesus. Dessa forma, podemos dizer também que toda vocação é intrinsecamente sacramental, pois ela só tem sentido se conectada com a pessoa de Jesus Cristo e sua missão, tornando-nos seus discípulos. No Evangelho de Marcos, vemos a cena do chamado de Jesus aos pescadores e outros que estavam exercendo suas funções cotidianas e que foram “surpreendidos” pelo chamado irrecusável. Assim também acontece conosco. Nossa vocação não surge após uma pós-graduação na fé. Ela é germinada no nosso dia a dia, nas nossas relações familiares, na vida da comunidade, na relação com o próximo, a partir da experiência pessoal com o Ressuscitado. Todos somos surpreendidos por esse toque do Espírito. Aqueles discípulos pescadores não estavam preparados, nós também não. Atender ao chamado não requer preparação, somente acolhimento.

E qual é o meu chamado, o meu apostolado? Muitos passam anos a fio, com certa angústia, se perguntando para o que é chamado, como se houvesse uma caderneta de Deus em que seu nome estivesse predestinado ao lado de uma missão específica. Com alguma frequência, caímos nessa tentação da autorreferencialidade. Dedicamos muita energia em pensar demoradamente como descobrir onde me encaixo nesse quebra-cabeça pastoral. Porém, se invertermos a nossa lente e voltarmos nosso olhar para o outro, ao invés de ficarmos “ensimesmados”, veremos que nosso apostolado pode ser exercido em um sem-número de atitudes, vivências e ações, algumas urgentes. Basta ver em volta e ouvir os apelos do próximo e as recomendações da própria Igreja. Deixar-se tocar pela realidade que nos envolve, no contato com os mais necessitados, é uma experiência que transforma inevitavelmente. Necessitados esses que estão nas periferias, não somente do ponto de vista material, como também existencial. Muitas dessas periferias existenciais, onde há dor e sofrimento, estão, não raras vezes, ao nosso lado, carecendo do nosso apostolado.

Graça e missão, portanto, estão conectadas pelo fio enlaçador do Espírito que nunca se rompe. Por Graça de Deus, somos convidados a estar em Missão, testemunhando Jesus Cristo e Seus ensinamentos, Sua prática, Sua Vida.

Assim, é na experiência na comunidade, no contato com o próximo, sobretudo os que mais precisam, na escuta da Palavra de Deus e no acolhimento das diretrizes da Igreja, que vou sendo despertado por uma chama interna que não se apaga e que fora acessa pelo Espírito. Esse despertar vai pouco a pouco se delineando, indicando um possível caminho vocacional, a partir das experiências de vida, da bagagem existencial de cada um, da cultura e, sobretudo, pela oração. É na intimidade com o Senhor que esses caminhos vão ficando mais claros, que vão se descortinando as opções, que Deus vai tocando de maneira pessoal, levando em conta a minha história e se revelando de maneira inequívoca, proporcionando o nosso Emaús. Não é possível exercer nenhum apostolado se não houver uma experiência viva com a pessoa de Jesus Cristo. Sem oração e escuta de Deus, qualquer discernimento vira um mero exercício de conjecturas e probabilidades estéreis.

Culturalmente temos dado ênfase à vocação dos ministérios Ordenados e da Vida Consagrada que, de fato, são cruciais para a vida da Igreja e que devem ser não somente apoiados, como incentivados. Porém, o Ano Vocacional enfatiza o que já dissemos: todos nós na Igreja somos chamados, pela graça batismal e por estarmos configurados na Vida de Jesus, a viver e dar testemunho dos valores do Reino de Deus. Assim, a vocação e o exercício ministerial dos Cristãos leigos e leigas em seus diversos contextos, quando decorrentes do discernimento com o Senhor, também são resultado dessa mesma Graça, sem nenhuma diferença. Não cabe, portanto, se falar em hierarquia de chamados ou de vocação, mas, sim, em diversidade e comunhão. Uma mesma Missão, vários carismas. Vários membros, um só corpo místico.

Infelizmente, a Igreja ainda sofre da mazela do clericalismo, mesmo no seio de alguns setores do laicato, empobrecendo a diversidade de dons e chamados, que na verdade estão sob a égide do mesmo Reino de Deus. É próprio dos cristãos leigos alcançar e inserir-se em ambientes da sociedade em que nem sempre outros setores eclesiais conseguem chegar com facilidade. Nas empresas, nas famílias, na política, na cultura, nos meios de comunicação e em vários outros ambientes da sociedade, os leigos e leigas estão presentes, qual fermento na massa, e a partir dali experimentamos aquela máxima de que o leigo é “homem de Igreja no coração do mundo e o homem do mundo no coração da Igreja”[1].

É nesse contexto desafiador de viver o Evangelho e dar testemunho do nosso Batismo que procuramos viver nossa vocação de cristãos, sejamos ordenados, consagrados ou leigos numa relação de comunhão sinodal e através de uma Igreja em saída. Como nos lembra o Papa Francisco e como ressalta o Documento de Aparecida: “estamos dispostos, com a coragem que o Espírito nos dá, a anunciar Cristo, onde não é aceito, com nossa vida, com nossa ação, com nossa profissão de fé e com sua Palavra[2].

Que vivamos este Ano Vocacional que acaba de começar com ânimo e generosidade, deixando-nos confiar nas mãos do Bom Pastor que caminha à nossa frente e nos chama pelo nome, pois conhece cada uma das suas ovelhas.

Alexandre é membro da Comissão de Comunicação do Ano Vocacional e Membro da CVX – Comunidades de Vida Cristã

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[1] Documento de Puebla, 786

[2] Documento de Aparecida, 377